Solenidade de Pentecostes
“Noite”, “portas fechadas”, “medo”, “sopro”… – Jo 20,19-23 – Solenidade de Pentecostes – O evangelho desta solenidade, lido já no segundo domingo da Páscoa, tem como cenário o cenáculo, situado em Jerusalém, no dia mesmo da ressurreição. O livro de Atos narra a vinda do Espírito Santo 50 dias após a Páscoa, enquanto João situa a doação do Espírito na morte e Ressurreição de Jesus (cf Jo 19,30; 20,22). Para melhor compreender o sentido destas narrativas, necessário se faz “ler por trás das palavras”, ou seja, recorrer à linguagem simbólica própria destes textos, particularmente o Evangelho de João. O evangelista inicia a narrativa informando sobre a situação dos discípulos, e o faz por meio de descrição de ordem cronológica, geográfica e social. É no “anoitecer” daquele dia, num lugar de “portas fechadas”, as pessoas estão com “medo” (v. 19a). Trata-se certamente de uma linguagem carregada de simbolismo. Estamos diante de uma comunidade que perdeu seu rumo, que se sente amedrontada, vivendo em ambiente hostil e na insegurança. É uma comunidade que mergulhou nas trevas do “anoitecer”, sente-se “travada” em seu agir, perdeu seu vigor inicial, não abre espaço para novos sonhos.
Esta desolação, porém, não é a “última palavra”, não é o fim da história. Sem mais nem menos, Jesus “ colocou-se no meio deles” (v. 19b). Ter Jesus “no meio da comunidade” é voltar à vida e ao vigor do seguimento. Jesus começa por saudá-los, desejando-lhes “a paz” (“shalom”, em hebraico). A “paz” é um dom messiânico, de plenitude de todos os bens. Neste contexto, certamente, significa serenidade, calma, confiança, coragem para prosseguir, porque Jesus ressuscitado está “no meio deles”. Em seguida, Jesus “mostrou-lhes as mãos e o lado”, com as marcas de sua entrega total na cruz, sinais que permanecem visíveis em Jesus mesmo depois de ressuscitado. São sinais de morte transformados em sinais de vida e missão. Sinais que indicam que suas “obras”, o seu “fazer” (mãos) e seu “sentir”, sua “compaixão” (lado) serão a identidade e a missão de seus seguidores. É nesses “sinais”, que os discípulos reconhecem Jesus e compreendem sua missão. Vem depois a comunicação do Espírito. Dito isto, soprou sobre eles e disse lhes: “Recebei o Espírito Santo”. O gesto de Jesus de soprar sobre os discípulos reproduz o gesto de Deus na criação que, ao “soprar” no frágil ser humano, feito de barro (cf Gn 2,7), fez surgir um “ser vivente”. Vivemos tempos de profunda limitação humana. Nossa fragilidade, nossos “pés de barro”, são mais visíveis a cada dia, especialmente nesta pandemia que assola o mundo. Clamamos por novo “sopro divino”, que é gerador de vida.
Com o “sopro” de Jesus surgiu uma nova comunidade, novos “discípulos”, mais capacitados para amar, para se doarem, para testemunharem a boa nova do Reino. Finalmente, após o sopro de envio do Espírito Santo, Jesus confere aos discípulos a sua missão: “àqueles a quem perdoardes os pecados ser lhes ão perdoados” (v. 23). Não se trata de uma poder individual de perdoar ou não os pecados, conforme julgamentos ou interesses pessoais, mas de testemunhar ao mundo a vida que o Espírito suscita. Na comunidade, construída em torno de Jesus e animada pelo Espírito, esse sopro de vida transforma o nosso barro numa imagem de Deus, transforma o egoísmo em amor partilhado, o orgulho em serviço simples e humilde… É Ele que nos faz vencer os medos, superar as covardias e fracassos e readquirir a audácia profética, testemunhar o amor, sonhar com um mundo novo. Que a Solenidade de Pentecostes nos ajude a reencontrar o caminho certo de um mundo novo. Ir. Zenilda Luzia Petry – FSJ