Memórias de vida e libertação

04/04/2019

Memórias de vida e libertação – Jo 8,1-11 – Entramos já na 5ª semana da Quaresma e, neste domingo, somos surpreendidos/as com um relato evangélico que nos comove e encanta, mas que tantas vezes é lido em chave moralista ou sexualista. Se olharmos o contexto literário da narrativa, é possível ampliar os horizontes e ler a narrativa com outros olhares. O episódio é precedido de diversos confrontos de Jesus com a religião oficial e seus líderes. O contexto imediato é o de Jesus indo à festa das tendas (Jo 7), mas de forma secreta, pois “os judeus querem mata-lo” (Jo 7,1). A Festa das “Tendas”, ou dos “Tabernáculos”, ou das “Colheitas”, era uma das três principais festas judaicas. Recordava a experiência do deserto e o dom da água. Uma trajetória de vida e libertação.  Também coincidia com o início das colheitas, garantia de vida e liberdade para o povo. Jesus chega à festa e, no “dia mais solene” (7,37),  quando se fazia a memória das águas no deserto, teve a ousadia de proclamar, bem alto, que Ele era a verdadeira água. Deve ter gerado muita perplexidade no meio do povo. Poder-se-ia imaginar tal episódio na lavagem das escadarias na Igreja do Senhor do Bonfim, na Bahia. O capítulo 7 termina com o encontro dos guardas do templo com os chefes dos sacerdotes, alguns fariseus e Nicodemos.  Após este dia, “cada um voltou para sua casa” (7,53). “Jesus foi para o Monte das Oliveiras. Ao amanhecer, retornou ao templo, e todo o povo ia ao seu encontro. Então Jesus sentou-se e ensinava” (Jo 8,1-3). O que Jesus teria ido fazer no monte das Oliveiras a noite toda?  Por que não foi para casa de Maria, Marta e Lázaro, perto dali? Certamente terá ido orar, como estava acostumado a fazer (Lc 22,39). O episódio desta manhã vai exigir dEle discernimento e muita misericórdia. O fato narrado informa que os mestres da lei e os fariseus trouxeram “uma mulher surpreendida em adultério” e a colocaram diante de todos para ser apedrejada. A bem da verdade, eles estão agindo contra a própria lei, levando uma mulher impura para o interior do Templo. Mais ainda: a lei de Moisés, em caso de “flagrante”, manda trazer os dois que foram pegos em flagrante (cf. Dt 22,22-27), coisa que os acusadores não fizeram.  O episódio todo é bem conhecido. Jesus silencia, escreve no chão, olha a multidão e afirma com convicção e autoridade: “Se algum de vocês estiver sem pecado, seja o primeiro a atirar a pedra nela” (Jo 8,7). A debandada foi geral.  Não se menciona a presença dos discípulos. Estaria Jesus no Templo sem eles? Teriam se retirado também?  Os únicos a permanecer no local foram Jesus e a mulher. Então, ele se pôs de pé outra vez e perguntou à “suposta adúltera”: “Mulher, onde estão eles? Ninguém a condenou? – “Ninguém, Senhor”. Jesus pronunciou, então, uma de suas frases mais conhecidas e citadas: “Eu também não a condeno. Agora vá e não peques mais”(Jo 8,11). Jesus toma uma atitude revolucionária. Não julga, não busca provas da acusação, não denuncia o machismo dos acusadores, acolhe a mulher, olha nos seus olhos e profere a sentença de vida e liberdade: “Eu não te condeno, vai e fica livre de tudo aquilo que ameaça tua vida e destrói tua dignidade. Mais uma vez estamos diante de atitudes desconcertantes para nós que, ainda hoje, não alcançamos compreender verdadeiro rosto de misericórdia de nosso Deus. Ir. Zenilda Luzia Petry – FSJ

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