Em Simpósio, resgate da compaixão e da misericórdia é apontado como saída para crise de valores e do cuidado

30/08/2018

23/10/2016 – Refletindo sobre como a misericórdia é necessária para um mundo com compaixão, Dom Bernardo Bahlmann, bispo de Óbidos, no Pará, apontou como é significativo o local onde está sendo realizado o Simpósio – no Hospital Dermatológico São Roque, antiga unidade para tratamento exclusivo de hanseníase. “Esse é um lugar sagrado duas vezes”, aponta Dom Bernardo. “Primeiro porque é o local onde viviam os hansenianos. E em segundo, porque é aqui o primeiro local que as Irmãs Franciscanas de São José [IFSJ] vieram quando chegaram ao Brasil em 1926, para viver com os hansenianos”.

O bispo reflete que vivemos um momento de aparente perda de valores como a compaixão e misericórdia, o que pode comprometer, inclusive, a vida humana. “Todos vivemos no Planeta Terra. Mas, se nós não mudarmos, talvez haverá vida aqui por mais uns 200 anos. Talvez!”, destaca. Ele reflete que a ganância e a busca pelo lucro máximo – ideia propagada pela preocupação de desenvolvimento econômico e científico – impacta a sociedade e o meio ambiente em que vivemos. Na região onde mora, por exemplo, mais de 9 milhões de hectares foram desmatados ilegalmente, para a exportação de madeira para a Europa. E os impactos dessa devastação serão sentidos por todos.

Para ele, é preciso mudar de atitude, e pensarmos mais no próximo. “Essa mudança não é no sentido de ‘vou ficar mais piedoso’. Mas é ficarmos mais humanos, pensando no que estamos fazendo com o mundo onde vivemos e com a humanidade”.

Dom Leonardo Ulrich Steiner, bispo de Brasília que esteve durante à tarde do terceiro dia, também concorda que vivemos um período de enfraquecimento de valores – uma crise do cuidado. “E quando se perde o cuidado aparece a corrupção, a degradação, a injustiça. E a economia passa a ter uma força que antes não tinha”, aponta. E reflete como há a falsa impressão de que o desenvolvimento da ciência e tecnologia seriam a solução para todos os problemas. “O que precisamos no coração humano vai além do que a tecnologia e a ciência podem nos dar”.

A misericórdia na beleza do cuidado

Artista plástico que deu registrou em traços a mensagem trazida pelo evento, Lorenz Heilmar diz que ilustrar a graça do cuidado não é algo fácil. “No primeiro momento a palavra cuidado sugere proteção, guarda, zelo”, explica. “Mas esse primeiro aspecto é bastante restrito. O cuidado também pode significar soltura, liberdade”, completa, apontando para o símbolo de mãos postas para acolher e libertar uma borboleta.

Integrante da Comunidade de Vidas Cristãs Jesuítas e professora da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC), Andrea Cristina Serrato, diz ver, durante toda a preparação e a realização do encontro, a beleza do cuidado.
A beleza, entendida no cristianismo como tudo aquilo que vivifica, ou seja, dá vida – encontrar Jesus e Seu Evangelho é belo, assim como encontrar a necessidade do outro é dar vida – muitas vezes é dilacerada: a fome e a miséria são elementos que dilaceram a beleza do mundo. Mas, assim como em poema de Rubem Alves, onde os homens ficaram tão encantados com a luneta que esqueceram de olhar as estrelas, esquecemos de olhar a verdadeira beleza do ser humano, que é onde se encontra a face de Deus.

“Passamos pelo outro que sofre, que está aí caído, e não nos deixamos afetar”, reflete Serrato. “Mas sempre é tempo de abrirmos os olhos, escutarmos o clamor do outro: um clamor por justiça e um cuidado maior”.

Segundo a professora, assim como a morte de Cristo na cruz é transformada em algo belo através da ressureição, podemos ajudar a ressignificar as belezas que estão dilaceradas nesse mundo, como através do cuidado.

O cuidado, que tem como princípios valores como o amor, a compaixão e a misericórdia, faz parte da vocação cristã: é abrir os olhos e o coração para o outro e para nós mesmos; é estar atentos e atentas às necessidades, é viver com o outro a dor e a alegria. “Como resgatar a beleza do cuidado se eu não me deixo amar, não me deixo cuidar?”, indaga.

Em sua encíclica, o Papa Francisco também reforça a necessidade do cuidado com a Casa Comum: cuidar do ambiente onde vivemos para que ele bom para todos e todas.

A prática da compaixão e da misericórdia

Para mostrar a beleza da prática do cuidado, quatro relatos de diferentes experiências foram compartilhadas com os participantes. As crianças do coral do projeto Dikaion, de Piraquara, são exemplo de como o cuidado é importante para o desenvolvimento social. Cerca de 150 crianças de comunidades vulneráveis participam do projeto, tendo aulas de canto e instrumentos musicais. As pessoas que participaram da tarde deste terceiro dia do Simpósio puderam conferir o resultado desse trabalho, através de apresentação cultural desenvolvida pelo coral.

As experiências de um trabalho desenvolvido por um grupo com crianças que tem necessidades especiais, em São Paulo, de trabalhos desenvolvidos pela congregação em diferentes locais e da Casa Maternal – instituição de acolhimento de crianças administrada pelas IFSJ – também foram trazidas. Um dos casos atendidos por essa última está relatado no livro ‘A graça do cuidado’. A obra conta a história de Davi, jovem com necessidades especiais que, contrariando as expectativas médicas viveu 19 anos na família da Congregação.
A atuação de leigas no cuidado com as outras pessoas também é inspiradora. Integrante da Associação de Voluntárias do Hospital Bom Jesus, em Ituporanga-SC, Lucia contou como o trabalho desenvolvido está sendo importante para a comunidade. O grupo contribui na arrecadação de fundos para o hospital através de ações coletivas (almoços, bazares, pedágios), o que já permitiu obras de melhorias no local. “Eu tive uma caminhada com bastante obstáculos, mas para mim este está sendo o melhor período, onde eu estou fazendo o trabalho do voluntário”, fala.

Lucia que se inspira no trabalho desenvolvido pela Irmã Paulina Sens, enfermeira da Congregação que dedicou mais de 60 anos de sua vida ao Hospital Bom Jesus. Todos os dias, ao entrar na ala dos quartos onde visitaria as pessoas doentes, Irmã Paulina parava na porta, lia uma placa na entrada do local, e seguia adiante. Na placa, estava escrita a frase: “O nossos hospital é o santuário; cada quarto uma capela; cada leito um altar; e cada altar um Cristo”.