Domingo de Ramos – 28/03
“Hosana, bendito o que vem em nome do Senhor”!
Um Deus aclamado e condenado – Mc 14, 1 – 15,47 – Domingo de Ramos – Mais um ano em que a maioria dos ramos ficarão nos arbustos e a aclamação do “hosana” ficará retida na garganta. Oxalá que o “crucifica-o” também não seja pronunciado e que o silêncio contemplativo seja a atitude reverente diante do mistério do amor maior. A liturgia deste domingo nos brinda com duas narrativas evangélicas: a entrada de Jesus em Jerusalém (Mc 11,1-10) e o relato da paixão de Jesus (Mc 14,1–15,47). Da entrada em Jerusalém há outros comentários. Vamos contemplar brevemente o relato da paixão. É uma narrativa, certamente, elaborada a partir de acontecimentos concretos da época, comuns aos condenados pelo poder romano; porém não se trata de uma reportagem jornalística da condenação à morte de um inocente. É mais um testemunho de fé que visa confessar Jesus como o “Filho de Deus”. Sabemos que o objetivo principal do Evangelho de Marcos é o de levar os seguidores de Jesus a crer em Jesus como “Filho de Deus”. A primeira e a quase última afirmação de Marcos é que Jesus é o Filho de Deus (cf. Mc 1,1; 15,39). O centurião romano, um pagão, que testemunhou a paixão e morte de Jesus, confessou: “na verdade este homem era o Filho de Deus” (15,39). Ao longo do relato da Paixão se dá destaque à filiação divina: no jardim das oliveiras, Jesus chama Deus de “Abba”, “paizinho” (cf. Mc 14,36), expressão de intimidade filial. Durante o interrogatório no palácio do sumo-sacerdote, apesar do silêncio de Jesus, ao ser interrogado sobre sua filiação afirmou: “Eu sou. E vereis o Filho do Homem sentado à direita do Todo-poderoso e vir sobre as nuvens do céu” (Mc 14,62). A confissão do centurião romano (Mc 15,39) é uma chave de ouro do Evangelho de Marcos. Por outro lado, este “Filho amado de Deus” aparece, em Marcos, cheio de fragilidade, um verdadeiro fracassado. No jardim das Oliveiras, pouco antes de ser preso, sentiu “pavor” e “angústia” (cf. Mc 14,33). No momento da morte, Jesus reza: “meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste” (Mc 15,34). Marcos acentua a solidão de Jesus, nesses momentos dramáticos. Não há anjo que o consola, como em Lucas (cf. Lc 22,43). Não há ninguém que intercede por ele, como a mulher de Pilatos, em Mateus (cf. Mt 27,19). No palácio de Pilatos, Marcos se refere a um só discípulo, Pedro, que negou Jesus três vezes. Não há lamentação de mulheres ao longo do caminho do Calvário, como em Lucas” (cf Lc 23,27-31). Só há mulheres na hora da morte, mas “olhando de longe”(Mc 15,40-41). Abandonado pelos discípulos, escarnecido pela multidão, condenado pelos líderes, torturado pelos soldados, Jesus percorre o seu caminho de morte na solidão, no abandono, na indiferença de todos. O grito final de Jesus na cruz “meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste” (Mc 15,34), é a expressão dramática do seu fracasso pleno. Esta é a grande crise dos primeiros cristãos: Como crer num Deus tão fracassado? Num crucificado? Num “amaldiçoado” por Deus (cf Dt 21,23)? Experiência semelhante muitos de nós vivemos nestes tempos. Doentes isolados que morrem nas filas da UTI, pessoas abandonadas, sensação de fracasso, de colapso do sistema de saúde, etc. Onde está Deus nesta pandemia? Como crer num Deus que não intervém para acabar com este sofrimento? Não é Ele o “todo poderoso”, como professamos no Credo? Ele não ouve nossas preces? Marcos ilumina os seguidores de Jesus do seu tempo afirmando e reafirmando que Jesus, este “crucificado”, o “maldito” segundo a religião oficial, é o “Filho amado de Deus”, que foi até a cruz em fidelidade ao projeto do Pai. Temos dificuldade de aceitar tal mistério insondável. Nesta pandemia, este mistério de Deus ficou mais evidente e mais exigente. Ele não é um Deus “acima de tudo e de todos”, o “todo poderoso”, mas um Deus frágil, solidário na dor, que se revela na lágrima, no caixão lacrado, na solidão, no vazio até das Igrejas, sendo sepultado sem a presença de parentes ou amigos. Um Deus que chega a suar sangue, pelo cansaço no cuidado… Que esta semana santa seja vivida no espírito da fraqueza divina, que se revela de forma diferente daquela que aprendemos a invocar. “A oração é a força do ser humano e a fraqueza de Deus” (Santo Agostinho). Ir. Zenilda luzia Petry – FSJ