27º Domingo do Tempo Comum

03/10/2024

 

O “bom” da criação – Mc 10,2-16 – A liturgia do 27º domingo do Tempo Comum nos coloca diante do plano “bom” da criação e, ao mesmo tempo, nos alertas para o “não bom”. No 1º Capítulo do Gênesis lemos que Deus contempla a sua obra e “viu que tudo era bom”. A primeira leitura deste domingo fala do que “não é bom”. A palavra divina ressoa no paraíso: “não é bom que o homem esteja só” (Gn 2,18). Deus então cria a mulher para o homem não viver no isolamento. Os seres humanos forma criados  para viver na solidariedade, na comunhão, na partilha de vidas. O relato é um belo poema de amor, mesmo sendo descrito de forma narrativa e em linguagem profundamente simbólica. A harmonia de toda a criação não é uma saudade de um passado distante, mas uma esperança que habita no coração de toda a humanidade. Esta esperança porém, ao longo da história, vai sofrendo muitas decadências. É o que vemos no Evangelho deste domingo. O sonho divino de vida para o homem e a mulher está longe de se realizar. Olhemos o relato mais de perto: Jesus está saindo da Galileia e inicia seu caminho para Jerusalém, onde se realizará o destino final. Geograficamente, caminha ao longo do Rio Jordão, rota comum dos peregrinos que vão ao Templo. No caminho para Jerusalém, Jesus é acompanhado pelas multidões e dirige-lhes seus ensinamentos. Os discípulos caminham atrás de Jesus. Mas ao longo do caminho, também aqui os fariseus buscam confrontar Jesus. Desta vez o tema é o divórcio. Em si, não era um tema desconhecido, pois a Lei de Moisés permitia ao homem despedir sua mulher (cf Dt 24,1). A lei permitia somente ao homem despedir a mulher. Uma lei injusta, discriminatória, machista. A questão colocada pelos fariseus não era o “divórcio” em si, mas os “motivos” do divórcio, uma vez que entre os judeus havia duas tendências na interpretação desta lei: uma mais séria, que dizia que só se poderia dar carta de divórcio em casos graves, como adultério. Outra tendência era que, por qualquer motivo, se podia repudiar a mulher, inclusive se não cozinhasse bem para o marido. Além do mais, só o homem podia tomar a iniciativa do divórcio e casar-se com outra. A mulher, além de não ter nenhum destes direitos, quando divorciada, ficava sem meios de subsistência e sem defesa. Restava-lhe pedir esmolas ou prostituir-se. Os fariseus percebiam que a atitude de Jesus para com as mulheres era muito nobre. Daí a pergunta provocativa. Mais uma vez Jesus evita a polêmica e vai para a raiz da questão. Moisés fez esta concessão por causa da dureza dos corações, mas o plano original de Deus era outro. “No princípio da criação, ‘Deus fê-los homem e mulher. Por isso, o homem deixará pai e mãe para se unir à sua esposa, e os dois serão uma só carne’. Além desta afirmação sem negociações, há uma sutileza na resposta de Jesus. A Lei concedia o direito do divórcio somente ao homem, mas Jesus afirma: Quem repudiar a sua mulher e casar com outra, comete adultério contra a primeira. E se a mulher repudiar o seu marido e casar com outro, comete adultério”. Supõe-se aqui que Jesus via direitos iguais a ambos. Também a mulher dava carta de divórcio ao marido. Isto deve ter levado os fariseus a uma profunda indignação. Não se concebia que a mulher pudesse tomar a iniciativa de repudiar o marido. Há quem diga que a maior revolução promovida por Jesus foi seu trato com as mulheres naquela sociedade. Para romper ainda mais as fronteiras da Lei Judaica, Jesus acolhe as crianças, gesto este que até os discípulos rejeitaram. Para resgatar o “bom” da criação, temos muito caminho a percorrer. Ir. Zenilda Luzia Petry – FSJ