24º Domingo do Tempo Comum

14/09/2023

“Quantas vezes devo perdoar “?  Mt 18,21-35 – Continuamos com parte do Evangelho do “discurso eclesial”, que preenche todo o capítulo 18 do Evangelho segundo Mateus. Este “discurso” tem como ponto de partida algumas “instruções” sobre a vida da comunidade. Os destinatários do discurso, no Evangelho, são os discípulos. Na realidade, Mateus pretende orientar os cristãos dos anos 80-85 dC, a quem este Evangelho foi escrito. Por detrás do texto que nos é proposto, podemos perceber uma comunidade com tensões e conflitos, onde ocorrem ofensas pessoais, difíceis de perdoar.

No domingo passado refletimos o texto imediatamente anterior (cf Mt 18, 15-20), cujo foco era a “responsabilidade pessoal” diante da falha alheia, ou seja, a correção fraterna, algo tão difícil de fazer e acolher. Muitas homilias se centraram na questão do “perdão” que, na verdade, é o foco da narrativa deste domingo.

O texto de hoje é sobre a necessidade de perdoar sempre, de forma radical e ilimitada. Se a correção fraterna já constitui um desafio, o perdoar é uma das exigências mais difíceis que Jesus nos faz.

O mandamento do perdão não é novo. A catequese em Israel já ensinava a perdoar as ofensas e a não guardar rancor contra o irmão que tinha cometido qualquer falha. Os “mestres” de Israel, porém, diziam que a obrigação de perdoar existia apenas em relação aos membros do Povo de Deus. Os gentios estavam excluídos da dinâmica do amor e da misericórdia. Mas a grande discussão era em torno de quantas se devia perdoar. A grande discussão girava, porém, à volta do número de vezes em que se devia perdoar. A tradição judaica dizia que até três vezes Deus perdoa (cf Am 2,6). Assim todos, até os mais generosos, diziam que o perdão tem limites e que não se deve perdoar indefinidamente. Se estabelecia a quantia de “três vezes”, sendo já algo de extrema generosidade. Só Deus perdoa assim.  É nesta problemática que Jesus é envolvido pelos discípulos. Pedro, o porta-voz da comunidade, consulta Jesus acerca da quantia de vezes que se deve perdoar. Ele sabe que Jesus tem ideias radicais e,  talvez com alguma ironia ou auto promoção, aumenta a quantia: “até sete vezes?” ou  seja, “perdoar sempre” (“o número sete, na cultura semita, indica “totalidade). Jesus responde que não só se deve “perdoar sempre”, mas de forma ilimitada, total, absoluta. Deve-se perdoar sempre, mesmo aos inimigos e sem qualquer reserva, sombra ou prevenção. A experiência do perdão foge do universo numérico, de “quantidade”, pertence à dimensão da “qualidade”.

É neste contexto que segue a parábola do “devedor implacável” (vv 23-35), uma parábola de difícil compreensão e que gera até indignação. Antes de mais nada, é preciso considerar que esta parábola é uma catequese sobre a misericórdia de Deus. Mostra como o perdão divino é ilimitado, total e absoluto. A parábola também nos convida a analisar as nossas atitudes e comportamentos frente aos irmãos que erram. Nossa lógica está, tantas vezes, muito distante da lógica de Deus. Diante de qualquer falha do irmão, mesmo que seja pequena, logo assumimos a pose de vítimas magoadas e, muitas vezes, tomamos atitudes de vingança, sinal claro de que estamos longe da lógica de Deus. A parábola ainda sugere que existe uma relação entre o perdão de Deus e o perdão humano, coisa sempre mais complicada neste mundo, cujos valores não se aproximam em nada da misericórdia e do perdão. Ir. Zenilda Luzia Petry – FSJ