3º Domingo da Quaresma

09/03/2023

Há uma fonte no poço – Jo 4,5-42 – O Evangelho deste domingo é um dos mais bem elaborados literariamente, de beleza humana ímpar, no estilo de diálogo sem precedentes, mas de interpretação por vezes um tanto romântica. O relato tem como cenário um poço, na cidade samaritana de Sicar, região central da Palestina, área habitada por judeus e pagãos. Na época de Jesus, havia grande rivalidade entre samaritanos e judeus, uma divisão existente desde os anos de 722 aC e que ficou mais forte após o regresso do Exílio, em torno do ano 437 aC. Muitos fatos marcaram a difícil história destes dois povos. Os Evangelhos dão diversos testemunhos destas rivalidades.

            Os poços, na tradição judaica, são de uma intensa mística. Recordam os poços abertos pelos patriarcas, a água que Moisés fez jorrar do rochedo no deserto e, diversas vezes, lugar de encontro das esposas dos patriarcas. O poço era o lugar de convergência do povo das aldeias. Ali se perpetuava a memória dos antepassados e circulavam as notícias da vida cotidiana. Popularmente falando, era o lugar do “noticiário” das aldeias.

            No Evangelho deste domingo estamos em torno de um “poço”, “onde estava a fonte de Jacó”. Não se trata apenas de um poço, mas onde há a “fonte de Jacó”. Assim o relato remete ao patriarca Jacó, pai das “Doze Tribos”. Isto já indica para a força simbólica da narrativa.

O “poço” representa a Lei, o sistema religioso que deveria garantir a vida plena. Mas este “poço da lei” já não garantia a plenitude da vida em Deus. O povo samaritano já buscara outras propostas religiosas, ou seja “cinco maridos”, isto é, cinco outros senhores, mas nenhum capaz de saciar a sede.

No cenário vemos dois personagens: Jesus e a samaritana. Na linguagem simbólica de João, a mulher, sem nome próprio, representa a Samaria, que procura desesperadamente a água, capaz de matar a sua sede de vida plena. Jesus espera a mulher junto do poço. É aqui que entra a novidade: Jesus senta-se “junto do poço”, como se pretendesse resgatar a “fonte” do poço. Propõe à mulher/Samaria uma “água viva”, que matará definitivamente a sua sede de vida eterna. Jesus passa então a ser o “novo poço”, a fonte, onde todos os que têm sede de vida plena ficarão saciados.

Qual é a água que Jesus tem para oferecer e que sacia em definitivo? É a “água do Espírito”, a verdadeira fonte, o grande dom de Jesus. Como é que a mulher/Samaria responde ao dom de Jesus? Inicialmente, ela fica confusa. Parece disposta a buscar água na verdadeira fonte, mas ainda não sabe bem como. Essa vida plena que Jesus propõe significa aderir à prática religiosa dos judeus, centrada no Templo, ou qual o caminho a seguir? Jesus nega que se trate de escolher entre o caminho dos judeus e o caminho dos samaritanos. Não é no templo de pedra de Jerusalém, nem no templo de pedra do monte Garizim que Deus está. O caminho é acolher a novidade do próprio Jesus, aderir a Ele e aceitar a sua proposta de vida. A única coisa que conta é a vida do Espírito que encherá o coração de todos, que a todos ensinará o amor a Deus e ao próximo.

A mulher/Samaria responde à proposta de Jesus abandonando o cântaro, agora inútil e, correndo, sai para anunciar aos habitantes da cidade a novidade que Jesus traz. Os samaritanos ficam entusiasmados. Jesus é reconhecido como “o salvador do mundo”.

Tanto ontem quanto hoje, a ida ao “poço da Lei” só traz vida plena se formos à “fonte”, ou seja, ao sentido originário da Lei, que é vida plena para todos. Este belo relato, aberto à múltiplas interpretações, quer nos convocar a irmos à fonte deste poço, onde Jesus nos espera e nos oferece a verdadeira água da vida. Ir. Zenilda Luzia Petry – FSJ