26º Domingo do Tempo Comum
“Há entre nós e vós um grande abismo” – Lc 16,19-31 – A liturgia do 26º domingo do tempo Comum coloca-nos diante de um Evangelho de difícil compreensão e até mesmo de aceitação. Continuamos acompanhando Jesus no seu “caminho para Jerusalém”. A história do rico e do pobre Lázaro é um texto exclusivo de Lucas. Convém ter presente que Lucas, diferente de Mateus e Marcos, escreve seu Evangelho para uma comunidade na qual participam ricos e pobres. A questão da posse e da partilha dos bens é assunto que perpassa todo o Evangelho de Lucas. Os textos exclusivos de Lucas são um eco de “felizes vos os pobres,… ai de vos os ricos” (cf Lc 6,20-26). Os ditos de Jesus sobre a riqueza, sempre muito contundentes, ora são dirigidos aos discípulos (16,1), ora aos fariseus. No presente relato trata-se dos fariseus (v.14), como representantes de todos aqueles que absolutizam o dinheiro e vivem em função dele.
Do ponto de vista literário, a parábola tem duas partes. Na primeira (vv.19-26), Lucas apresenta os dois personagens fundamentais da história: um rico que vive luxuosamente e que celebra grandes festas, e um pobre que tem fome, vive miseravelmente e está doente. Olhando mais de perto os dois personagens, temos que o rico se vestia de púrpura e linho fino, dava esplêndidas festas. Não se diz seu nome. Também não se diz se ele era mau ou bom, se frequentava ou não o templo, se explorava os pobres. Quando morreu, foi para um lugar de “tormentos”. O pobre tem nome, jazia ao portão do rico, estava coberto de chagas, desejava saciar-se das migalhas que caíam da mesa do rico e os cães vinham lamber-lhe as chagas. Quando morreu, Lázaro foi “levado pelos anjos ao seio de Abraão”. Nada se diz se Lázaro era bom ou mau, se era religioso ou não, se acreditava em Deus…
Nesta história, não são as ações boas ou más que determinam o futuro. Este depende de ser rico e ou pobre. No relato, o rico experimenta os tormentos porque é rico e o pobre vai para o seio de Abraão porque é pobre. Esta é a informação segundo o texto. Certamente um tal relato gera desconforto e impacto.
Mas então, a riqueza é pecado? Não se pode possuir bens? Na perspectiva de Lucas, os bens são dons de Deus que devem servir para gerar vida digna para todos. Quem usa os bens para ter uma vida luxuosa e sem cuidar dos outros, está em pecado. Neste sentido, a riqueza é sempre um pecado, pois é fruto da apropriação dos dons de Deus, que foram destinados a toda humanidade. Por isso, o rico é condenado e Lázaro recompensado.
A segunda parte (vv 27-31) está focada nas Escrituras, das quais os fariseus são peritos. O rico não escutou a Palavra, optou pelo caminho do egoísmo, da autorreferencialidade. Não amou e não partilhou. Nem uma cena espetacular, como seria o retorno de Lázaro à vida, move o coração de quem não se orienta pela Palavra de Deus.
Há um grande abismo entre os dois mundos: do rico e do pobre. Também hoje este “abismo” se prolonga e cresce sempre mais. O abismo entre quem ouve a Palavra e se orienta por ela e o daquele que é surdo ao que Deus fala. As durezas destas conclusões podem parecer demasiado radicais: afinal, não temos o direito de ser ricos, de gozar os bens que conquistamos honestamente?
Convém levantar alguns questionamentos: próximo a um quarto da humanidade (1∕4) tem nas mãos cerca de 80% dos recursos disponíveis do planeta e três quartos (3∕4) precisam se contentar com os outros 20% dos recursos. Isto é correto? É justo? Está correto que milhares de crianças morram diariamente por causa da fome, enquanto se destroem colheitas para que o excesso de produção não obrigue a baixar os preços? É correto que nossos portos estejam abarrotados de grãos para a exportação, enquanto os mendigos e famintos olham assustados para os trens que rasgam nossos vales e montanhas carregando os produtos? É vontade de Deus que, em festas sociais, se gastem quantias que dariam para construir dezenas de escolas e de hospitais? É correto termos roupas e outros bens de consumo estocados, até por vezes se corroendo, quando há tantos sem ter o necessário para se vestir e se cobrir adequadamente?
Ainda temos sensibilidade para ver a realidade de milhares de “Lázaros” que jazem em nossas cidades, cuja única companhia são os cães?? Cremos que o seio de Abraão os acolherá. E nós, onde estamos na parábola narrada por Jesus? Ir. Zenilda Luzia Petry – FSJ