24º Domingo do Tempo Comum
Teu irmão voltou – Lc 15,01-35 – O Evangelho deste domingo é uma das páginas mais preciosas do Evangelho de Lucas. A partir da primeira e da segunda Leituras, a temática do amor misericordioso de Deus toma proporções nunca imaginadas pelo ser humano. Na primeira leitura, o amor de Deus se sobrepõe infinitamente à lógica de punir o pecador que não foi fiel à Aliança. Na segunda, Paulo manifesta sua perplexidade diante do amor de Deus manifestado em Jesus Cristo. Esse amor derrama-se incondicionalmente sobre os pecadores, transforma-os e torna-os pessoas novas.
O Evangelho, do ponto de vista literário, é uma verdadeira obra de arte. Estudiosos afirmam que Lucas é um “artista da Palavra”. O “cenário geográfico” desta narrativa não aparece de forma explícita. O Capitulo 15 inicia dizendo: “os publicanos e os pecadores aproximaram-se todos de Jesus, para O ouvirem. Mas os fariseus e os escribas murmuravam entre si, dizendo: “Este homem acolhe os pecadores e come com eles”.
Pelo contexto da narrativa, vemos que Jesus continua no “caminho para Jerusalém”. Há porém uma espécie de “pausa” neste caminhar, para a “inserção” deste grande tema teológico: a “misericórdia de Deus”, exemplificado pelas chamadas “parábolas da misericórdia”: a da “ovelha perdida”, da “dracma perdida” e a do filho perdido”. Estas parábolas expressam, de forma privilegiada, o amor de Deus que se derrama sobre os pecadores. A narrativa é enquadrada numa situação bem concreta, que inicia informando que “os publicanos e os pecadores aproximaram-se todos de Jesus, para O ouvirem. Mas os fariseus e os escribas murmuravam entre si, dizendo: `Este homem acolhe os pecadores e come com eles”(vv 1-3). Acolher pecadores, aproximar-se e comer com eles era algo inadmissível para fariseus e escribas, que não admitiam qualquer forma de contacto com quem consideravam desclassificados. É essa crítica que vai provocar as narrativas sobre a atitude misericordiosa de Deus. As três parábolas pretendem, portanto, justificar o comportamento de Jesus para com os publicanos e pecadores. Elas definem a “lógica de Deus” em relação a esta questão. Ler essas narrativas sem considerar a porta de entrada do capítulo é como querer pendurar na parede um belo quadro, mas sem o necessário gancho.
A parábola da ovelha perdida (vv. 4-7), lida à luz da razão humana, não tem lógica. Não é normal abandonar noventa e nove ovelhas por causa de uma, como também não faz sentido toda aquela festa por conta de uma “ovelha rebelde” que foi encontrada.
A segunda (vv.8-10) reafirma o ensinamento da primeira. A imagem da mulher preocupada, que varre a casa de cima a baixo, ilustra a preocupação de Deus em reencontrar aqueles que se afastaram da comunhão com Ele. O exagero da festa, com amigas e vizinhas, mostra igualmente a lógica divina.
A terceira parábola (vv. 11-32) apresenta o quadro de um pai, em cujo coração triunfa sempre o amor. A lógica de Deus respeita absolutamente a liberdade e as decisões dos seus filhos, mesmo que eles usem essa liberdade para buscar a felicidade em caminhos errados. O pai continua a amar, a esperar ansiosamente o regresso do filho. A postura do “filho mais velho” constitui como que a “porta de saída” destas parábolas. Nas três, há sempre uma festa e o convite para a alegria. O “filho mais velho” não aceita participar da festa, só reclama por seus direitos não serem atendidos, se move no “mundo das Leis”, não sabe o que é Misericórdia. A festa, a alegria, está diretamente relacionada com a “misericórdia”: “…aquele que exerce a misericórdia, faça-a com alegria” (cf Rm 12,8).
Jesus se dirige aos fariseus e escribas, que representam o “filho mais velho”, que murmuravam por causa da acolhida “aos publicanos e pecadores”: a ovelha que se extraviou, a pérola que se perdeu e o filho que abandonou a “casa do Pai”. As parábolas visam dar as razões da atitude de Jesus para com os perdidos e pecadores. A lógica de Deus está longe da lógica humana.
Atualizando, observemos certos comportamentos na atual sociedade. A murmuração se manifesta de muitas formas: intolerância, murmuração, certa histeria e radicalismo diante do diferente e passa-se a exigir castigos severos e soluções definitivas, inclusive a pena de morte para certos delitos. Misericórdia é palavra que não cabe mais nos dicionários. Ela parece que foi substituída por frases de um farisaísmo repugnante: “Bandido bom é bandido morto”. À luz da lógica de Deus, qual o sentido de tal slogan? Compreende-se assim que a frase do pai dita ao “filho mais velho”, “teu irmão voltou” não tenha mais sentido. Já não se vê o outro como “irmão” e não se acredita que alguém que se perdeu volte. É o “longo inverno da humanidade”. Ir. Zenilda Luzia Petry – IFSJ