4º Domingo da Quaresma

27/03/2025

“Este homem acolhe os pecadores e come com eles” – Lc 15,1-3.11-32 – O quarto domingo da Quaresma, do ano C, vem iluminado por uma das mais belas narrativas da liturgia. A primeira leitura, tirada do livro de Josué, orienta como celebrar a memória da libertação da escravidão do Egito. Trata-se, não apenas de uma memória ou recordação de um passado, mas de assumir uma forma de vida nova, convite feito também a nós nesta quaresma. O Evangelho nos traz uma das três narrativas das conhecidas “parábolas da misericórdia”, das páginas mais belas e artísticas da Bíblia (cf Lc 15). Continuamos acompanhando Jesus em seu caminho para Jerusalém, um “caminho espiritual”, um itinerário formativo, no qual vai revelando a identidade do Pai e os valores do Reino de Deus e orientando seus discípulos para outros valores de vida. Do ponto de vista literário do evangelho, estamos como que no centro do caminho. Lucas monta um cenário com três parábolas, pelas quais desconstrói  o comentário escandalizado dos escribas e fariseus: “este homem acolhe os pecadores e come com eles”. Mais do que “desconstruir”, pode-se observar que se trata de uma denúncia ao modo de ser, pensar e agir dos “escribas e fariseus”. O deus dos escribas e fariseus, na verdade, não passa de um ídolo, um ser fantasiado de juiz, que rejeita os impuros e pobres. Todo o Evangelho é uma tentativa de correção de tal mentalidade, tão arraigada nas elites religiosas. Jesus vai revelando o verdadeiro rosto do Pai, um rosto de misericórdia, de ternura e de compaixão, que busca implantar o reinado deste Deus, num mundo sem compaixão. A murmuração dos escribas e fariseus é ponto de partida para as três parábolas:  da “ovelha perdida”, da “dracma perdida” e do “filho perdido. Sem este ponto de partida as parábolas ficam como que soltas no ar. “Acolher pecadores e comer com eles” era algo impensável para a religião oficial. Logo, “este homem” jamais poderia ser o messias. A parábola  deste domingo é uma das mais conhecidas. Muito já se escreveu, se refletiu e se falou sobre ela, quase sempre identificada como a “parábola do filho pródigo”. Seria muito mais apropriado identificá-la como “parábola do Pai misericordioso”. Esta atitude do pai gera muita admiração e encanto, mas também muita perplexidade. É preciso insistir que se trata de uma “parábola” e não de um relato histórico, tal como aparece na narrativa. Há, sim, elementos da vida real  bem conhecidas nas famílias: discussões entre pais e filhos, filhos que querem se libertar do cuidado dos pais, conflitos por causa de heranças, invejas e ressentimentos entre os membros da família. Todos estes elementos são  conhecidos e nos situam em ambiente da vida cotidiana. Mas não é este o objetivo da parábola. Olhando o texto ainda mais de perto, os três versículos iniciais nos convidam a dar especial atenção ao “filho mais velho”, muitas vezes um tanto esquecido na pregação e catequese. Jesus fora acusado de “acolher pecadores e comer com eles”. Temos um pai que acolhe o filho que “dissipou os seus bens”, levando uma vida rebelde e desregrada. A descrição do agir do filho mais novo é detalhada e mostra a proporção do pecado dele. O pai ignorou o pecado do filho. Ser filho é o que importa. O filho mais velho porém, que viveu sempre na proximidade do pai, na fiel obediência, tem um coração endurecido, incapaz de amar, de perdoar e se alegrar com o retorno do irmão. Nem o considera “irmão”. Diz ao pai: este “teu filho”.  Sua falta de gratuidade, de amor verdadeiro, sua  rigidez moral, faz dele um “murmurador”, tal qual os “escribas e fariseus”. A parábola revela o rosto misericordioso de Deus, mas denuncia duramente os “escribas e fariseus”, as lideranças do povo judeu, o seu “filho mais velho”. Temos muito a aprender e contemplar, a partir das ações de cada personagem do texto. Ir. Zenilda Luzia Petry – FSJ