4º Domingo da Quaresma

16/03/2023

O cego que se encontra com Jesus – Jo 9,1-41- No quarto domingo da Quaresma deste ano a Igreja nos coloca diante de uma narrativa evangélica de inesgotável riqueza. Mais uma vez necessário se faz ler “por traz das Palavras”, superando a leitura fundamentalista e moralista, que tanto desvia do foco da mensagem evangélica. Jesus encontra em seu caminho um “cego”. É cego desde seu nascimento, alguém que nunca viu nada e nem ninguém. É um impossibilitado de ver. Já é adulto e não conhece a luz. Agora ele está no caminho de Jesus….

Como sabemos, o Evangelho de João buscar revelar a beleza e a profundidade do mistério de Jesus em linguagem simbólica, na qual os sinais falam mais do que as palavras. São simbólicos os temas da “água” (cf. Jo 4,1-5,47), do “pão” (cf. Jo 6,1-7,53), da “luz” (cf. Jo 8,12-9,41), do “pastor” (cf. Jo 10,1-42), da “vida” (cf. Jo 11,1-56), etc. O texto deste domingo tem como foco a “luz”. O sinal é um elemento visível que fala da realidade invisível. Além dos “sinais”, o 4º Evangelho dá grande destaque às festas, conhecidas como “festa dos Judeus”. E foi no contexto de uma festa que o cego se encontrou com Jesus. Era a “Festa de Sukkot”, ou seja, a “festa das colheitas”. Um dos ritos populares dessa festa era a iluminação dos quatro grandes candelabros do átrio das mulheres, no Templo de Jerusalém. Uma oportuna ocasião para Jesus introduzir o tema da “luz”, proclamando ser ele a “luz que ilumina o mundo”.

Olhando mais de perto o texto, são diversos os personagens presentes no relato. No centro estão Jesus e o cego. Os “cegos”, na sociedade palestinense, faziam parte do grupo dos excluídos. A teologia oficial considerava as deficiências físicas como maldição divina, resultado do pecado pessoal ou coletivo. Daí o questionamento: “Quem pecou? Ele ou seus pais”? O próprio cego já no ventre de sua mãe poderia pecar. Os presentes não consideravam a situação de exclusão e mendicância do cego, mas tudo viam pelo foco da doutrina tradicional, que lhes provocava uma cegueira bem maior do que uma cegueira física. Eram cegos e não queriam ver. Pela condição de impureza, segundo eles, os cegos não podiam ler a Toráh e eram impedidos de participar nas cerimônias religiosas no Templo, portanto, excluídos da salvação de Deus.

O “cego” da nossa história é símbolo de todos os homens e mulheres que vivem na escuridão, privados da “luz”, prisioneiros das cadeias religiosas tradicionais que os impedem de chegar à plenitude da vida e da liberdade. Quando querem ver, rompem barreiras e se colocam no caminho de Jesus.

Os demais personagens presentes neste rico relato são altamente simbólicos: de um lado temos Jesus que se proclama “a luz do mundo” (vv. 2-5) e do outro, os discípulos com a “cegueira” causada pela doutrina tradicional. Também eles não conseguem ver a nova “luz”. Depois temos Jesus que se prepara para iluminar a vida do cego (vv. 6-7). Começa por cuspir no chão, faz lodo com a saliva e unge os olhos do cego com esse lodo. Um gesto simbólico que recorda o Deus Criador (cf Gn 2,7). A saliva equivale ao sopro de Deus, à sua Palavra que gera luz e vida. A missão de Jesus é criar novos seres humanos, contando com a colaboração pessoal: “Vai lavar-te na piscina de Siloé”. Obedecendo, o cego começa a ver.

Depois o autor coloca em cena vários personagens que vão representar diferentes visões e posições, próprios do cotidiano humano. São os “vizinhos”, os “fariseus”, os “pais”, todos com resistências maiores ou menores, conforme seu lugar social e suas convicções religiosas. Uma leitura atenta, focada nas palavras e nas atitudes dos diversos personagens, abre novos horizontes para a compreensão da amplitude do relato. Servem de espelho para avaliarmos nossas atitudes diante da nova luz que é Jesus e seu Evangelho.

O processo de fé que o personagem cego vive é o processo que todo discípulo de Jesus experimenta. Todos nascemos “cegos” e o encontro com Jesus gera a verdadeira luz em nossas vidas. Ir. Zenilda Luzia Petry – FSJ